“Nãaaaaaaao!”
Indiferente ao grito, a pesada panela de ferro despencou do alto do armário e aterrou sem dó nem piedade em cima da velha torneira do lava-loiças. Ao “PLONK” de proporções cósmicas seguiu-se um jacto de água que disparou direitinho ao tecto qual gracioso repuxo de jardim.
“Torneira de segurança!”. Desceu do escadote, correu para o armário, tacteou até ao fundo e rodou o manípulo.
Escorregou para o chão e permitiu-se 30 segundos de palavrões dignos de camionista, um minuto de auto comiseração e só depois se levantou para ir buscar a agenda. “C” de Canalizador. Que sim, que até estava nas redondezas, chegaria dentro de minutos. Sempre a mesma conversa: sabia que o velhote levaria pelo menos uma hora a arrastar-se até ali.
Começou a limpar a água das prateleiras e depois virou-se para o chão: já chegava de azares, não precisava mesmo nada que o homem entrasse por ali dentro, escorregasse e partisse uma perna.
“Desculpe?” Levantou os olhos para a porta e algo não bateu certo. O habitual par de olhos mortiços tinha sido substituído por dois olhos brilhantes que encimavam um corpo igualmente… brilhante. Levantou-se e ficou de esfregão a pingar um lago ao lado do pé direito. E o corpo insistiu “…o problema da torneira?...é aqui, não é?!” e os olhos correram pelas paredes molhadas da cozinha até pousarem na camisola molhada dela. “É, é aqui...” Ganhou súbita consciência de que a camisola ganhara vida própria e voltou-se, embaraçada. “Entre… é ali.” É ali?!... céus, que parvoíce! Notou o leve sorriso e depois o cheiro, ao passar por ela… um cheiro a praia como se tivesse acabado de sair do mar.
Inspirou fundo e voltou ao chão alagado. Talvez devesse ir trocar de roupa, mas não lhe apeteceu. Só queria estar ali a apanhar água do chão enquanto o corpo dele se mexia ao ritmo dos braços e das mãos a trabalhar na torneira. Em poucos minutos que pareceram horas o trabalho estava feito. Olhou de relance e viu-o arrumar as ferramentas no saco, devagar, uma a uma. E viu também uma pequena caixa tombar do alto da bancada espalhando o conteúdo pelo chão.
Num instante estavam os dois de joelhos no chão molhado. Brincalhões, parafusos rodopiavam e escapavam entre dedos que aqui e ali se tocavam. Ele cheirava mesmo a mar. E a camisola dela voltou a ganhar vida própria mas desta vez não se importou. Ele sorriu de novo e deixou-a apanhar o último parafuso.
Levantaram-se afogueados. “Obrigado.” E os olhos sorriam, quentes “Acho que é tudo. Havia mais alguma coisa?” mais do que a boca, eram os olhos que perguntavam. O cabo de um martelo espreitava do saco. Decidida, agarrou nele e desferiu um golpe certeiro na torneira. “Sim.”