15 novembro 2007

O homem do mar

01.01.2007, da Madeira ao Porto Santo

Era um velho de olhos muito azuis e cara coberta de pequenas ondas. Nascera longe do mar e quando o vira pela primeira sentira como se nunca tivesse vivido. A partir desse dia escolheu-o como sua terra.
Sobre ele e por ele navegou, ora em cascas de noz ora em monstros portentosos. Quando, ao fim de meses, chegava a um qualquer porto encostava-se à amurada e ficava a olhar para o burburinho lá em baixo, os carros, as pessoas a deslocarem-se constantemente em movimentos brutos e pesados.
Ao contrário dos outros, não ia a terra. Assim que punha pé em chão firme sentia-se enjoado, zonzo, perdia o equilíbrio naquela rijeza que lhe suportava os passos. Se precisava mesmo de sair levava com ele um pequeno e maltratado leitor de cassetes no bolso. Dentro apenas uma cassete gravada com música das ondas, o assobio do vento, aqui e ali um grasnar de gaivota ou um canto de baleias. Atrevia-se então a sair e avançava por entre as gentes de peito oprimido mas seguro por aquele cordão umbilical.
Um dia saíra do barco levado às pressas para um hospital onde ficara o tempo suficiente para perceber que regressara de vez a terra firme. Pó és e ao pó voltarás. Mas ele não. Ele era água e sal, espuma, vento e sol...
Assim que pode levantou-se e saiu rumo ao mar. Lá chegado, deixou-se ir num consolo líquido de quem volta ao ventre materno.