O Moleskine
Perante o ar desconsolado dela, o colega apressara-se a explicar que aquele era o caderno de notas preferido por artistas e intelectuais para confiar estados de alma, desenhos, segredos, poemas, tudo! "É muito "in" ter um Moleskine, sabia? Achei que ia gostar."
Pois tinha achado mal e se a conhecesse minimamente saberia que não era de andar agarrada a caderninhos a despejar lá para dentro os seus segredos mais íntimos. Não tinha tempo nem pachorra, tinha-os guardados na cabeça e chegava. Se não os partilhava com os amigos de certeza que o não faria com um idiota de um caderno, por mais famoso e "in" que fosse. É que ainda por cima "o gajo" era convencido, logo na primeira página rezava assim:
"In case of loss, please return to:__________________________
Nem hesitou: colocou o nome, a morada do escritório e na linha destinada à recompensa escreveu "A queca da tua vida!"
Riu-se da piada, enfiou-o na mala e avançou para o bar que a noite ia ser longa e animada. E tão boa fora a noite que o Moleskine levara sumiço sem ela dar por nada. Tanto melhor, pensou, trastes inúteis tenho eu aos pontapés.
Alguns dias mais tarde recebia a visita de um homem que insistia ter algo que lhe pertencia. "Quanto mais não seja regala os olhos, destes não aparecem por aqui muitos!" dissera-lhe a secretária. Recebeu-o, curiosa. Quando a porta se abriu viu então o Moleskine entrar pelo gabinete dentro e ser colocado na secretária à sua frente. O homem observou-a por um momento, sentou-se na cadeira, olhou-a nos olhos e perguntou numa voz baixa, quase sussurrada: "A minha recompensa?"
Agora não se separa dele. Aliás, separa... mas só até alguém lho devolver de novo.
Continua vazio, à espera de escrita, e em vez da morada tem um telemóvel. A recompensa, essa, continua a ser a mesma.