18 setembro 2005

Takk


Hoje tenho 7 anos. Comprei uma barra de chocolate do tamanho de um dedo, é recheada com creme de morango e como-a toda de uma vez. Está calor, não muito. Uma brisa leve passa os dedos pela erva comprida que forra o morro. Deito-me e rolo pela erva uma e outra vez até me cansar. Tenho muita sede. A água da bica é fria e sai de uma gruta encerrada que povoa os meus sonhos de aventureira. Ando pelo muro da bica sem medo de cair, salto num pé depois noutro e depois faço meia pirueta para ver se a mãe está à vista. Não está. Faço outra meia pirueta e salto do muro. O laranjal. A avó Isaura está no laranjal e acena-me. Desço o caminho de terra, desvio-me das silvas, passo o limoeiro e as laranjeiras até à tangerineira. É enorme, de um verde-escuro reservado às florestas sombrias mas carregada de bolinhas cor de laranja brilhante. Sentamo-nos na erva fofa, descascamos tangerinas e o sumo escorre-nos pelos dedos e depois pelos punhos até aos cotovelos. Lavo-me na mina de água e retomo o caminho para a mata. Vou apanhar borboletas onde o pinhal e o eucaliptal se juntam, num caminho ladeado por murta cheirosa e pés de rosmaninhos. Há borboletas castanhas, amarelas, uma ou outra laranja, e umas pequenitas azuis claras. Escapam aos meus avanços, armada com o pedaço do véu do vestido de casamento da mãe. Mesmo assim não fogem, continuam por ali e parecem gostar tanto da brincadeira como eu.
Regresso a casa pelo caminho de cima, até à pinheira mansa. É gigantesca e monta guarda à aldeia no cimo do monte. Começa a arrefecer mas ainda tenho tempo para salvar algumas abelhas que caem no poço da fazenda: basta uma folha debaixo das patas e elas sobem imediatamente. Depois deixam-se ao sol para secar as asas e só então partem de volta à colmeia.
À noite, da janela do quarto observo a colónia de pirilampos tremeluzentes e a lua redonda, de um brilho tão intenso que parece pratear toda a terra. Deito-me e adormeço com o iap-iap da raposa a caçar.
Tenho 7 anos.

Takk, Sigur Rós...


(Banda sonora: Sigur Rós, "Sæglópur")

10 comentários:

Anónimo disse...

ternura pura.

beijo de quase-primavera.

Anónimo disse...

A tua nostalgia é muito colorida. Tens sete anos mas já escreves bem as memórias que terás quando fores quase quarentona...
Dei por ti lá no charco. Obrigado pela visita. E pelo teu elogio pragmático.

Anónimo disse...

era tão simples, ter 7 anos. era bom.

Black Angel disse...

voltei à minha infância contigo and takk for the sigur rós sound.

Rosmaninho disse...

Que saudades da minha infância e dos pés dentro dos regos da horta da prima Carolina, cheios de água gelada do poço, e das fiadas de amoras, e das flores de sabão na margem da ribeira. Agora, aos 7 anos, não se sabe como é. Mereces tudo, por me fazeres recordar isto.

Uxka disse...

Sharkinho, Garfanho, obrigada pela visita.
Mão cheia de beijos, pessoal.

Anónimo disse...

passei para te deixar um Olá e um sorriso:)

bin

DF disse...

Bem, sem mesmo meter-me a comentar mais nada, só esta harmonia entre o texto e a música já vale o tempo da visita... e vai-se ficando, fazendo render...
Bj
P.S.- E os meus meninos, qd é q mos trazem?!

Anónimo disse...

Ouves sons parecidos com os meus... Que tal o novo cd?

Uxka disse...

Olá Fernando, obrigada pela visita.
O disco é muito bom, é entranhante, ouve e vais ver.