Takk
Hoje tenho 7 anos. Comprei uma barra de chocolate do tamanho de um dedo, é recheada com creme de morango e como-a toda de uma vez. Está calor, não muito. Uma brisa leve passa os dedos pela erva comprida que forra o morro. Deito-me e rolo pela erva uma e outra vez até me cansar. Tenho muita sede. A água da bica é fria e sai de uma gruta encerrada que povoa os meus sonhos de aventureira. Ando pelo muro da bica sem medo de cair, salto num pé depois noutro e depois faço meia pirueta para ver se a mãe está à vista. Não está. Faço outra meia pirueta e salto do muro. O laranjal. A avó Isaura está no laranjal e acena-me. Desço o caminho de terra, desvio-me das silvas, passo o limoeiro e as laranjeiras até à tangerineira. É enorme, de um verde-escuro reservado às florestas sombrias mas carregada de bolinhas cor de laranja brilhante. Sentamo-nos na erva fofa, descascamos tangerinas e o sumo escorre-nos pelos dedos e depois pelos punhos até aos cotovelos. Lavo-me na mina de água e retomo o caminho para a mata. Vou apanhar borboletas onde o pinhal e o eucaliptal se juntam, num caminho ladeado por murta cheirosa e pés de rosmaninhos. Há borboletas castanhas, amarelas, uma ou outra laranja, e umas pequenitas azuis claras. Escapam aos meus avanços, armada com o pedaço do véu do vestido de casamento da mãe. Mesmo assim não fogem, continuam por ali e parecem gostar tanto da brincadeira como eu.
Regresso a casa pelo caminho de cima, até à pinheira mansa. É gigantesca e monta guarda à aldeia no cimo do monte. Começa a arrefecer mas ainda tenho tempo para salvar algumas abelhas que caem no poço da fazenda: basta uma folha debaixo das patas e elas sobem imediatamente. Depois deixam-se ao sol para secar as asas e só então partem de volta à colmeia.
À noite, da janela do quarto observo a colónia de pirilampos tremeluzentes e a lua redonda, de um brilho tão intenso que parece pratear toda a terra. Deito-me e adormeço com o iap-iap da raposa a caçar.
Tenho 7 anos.
Takk, Sigur Rós...
(Banda sonora: Sigur Rós, "Sæglópur")
10 comentários:
ternura pura.
beijo de quase-primavera.
A tua nostalgia é muito colorida. Tens sete anos mas já escreves bem as memórias que terás quando fores quase quarentona...
Dei por ti lá no charco. Obrigado pela visita. E pelo teu elogio pragmático.
era tão simples, ter 7 anos. era bom.
voltei à minha infância contigo and takk for the sigur rós sound.
Que saudades da minha infância e dos pés dentro dos regos da horta da prima Carolina, cheios de água gelada do poço, e das fiadas de amoras, e das flores de sabão na margem da ribeira. Agora, aos 7 anos, não se sabe como é. Mereces tudo, por me fazeres recordar isto.
Sharkinho, Garfanho, obrigada pela visita.
Mão cheia de beijos, pessoal.
passei para te deixar um Olá e um sorriso:)
bin
Bem, sem mesmo meter-me a comentar mais nada, só esta harmonia entre o texto e a música já vale o tempo da visita... e vai-se ficando, fazendo render...
Bj
P.S.- E os meus meninos, qd é q mos trazem?!
Ouves sons parecidos com os meus... Que tal o novo cd?
Olá Fernando, obrigada pela visita.
O disco é muito bom, é entranhante, ouve e vais ver.
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