24 novembro 2006

Ilusões

Ela terá pouco mais de 30 anos, é uma mulher bonita, habitualmente faladora de tudo e de nada e de riso fácil. Foi por isso difícil dar de caras com ela hoje, de olhos vermelhos e baços.
É amiga da minha compincha da bica pós almoço e não há propriamente intimidade entre nós mas ela já tinha passado para além de qualquer tipo de embaraço ou prurido e passou a explicar: “O meu marido anda com outra”. Tal frase só costuma ter cabimento em filmes, não na vida real e muito menos naquela mulher à minha frente.
Mas aparentemente assim era. Uma estúpida coincidência, um telefonema feito a desoras mais uma história que não batia certo foram o ponto de partida para suspeitar que algo estava muito errado. Decidida como é, não demorou a descobrir quem era a “outra”. Agora que tinha a informação, não sabia o que fazer.
Tinha parado há pouco com a pílula para finalmente ter o filho sempre adiado e agora tinha estoirado aquela bomba e estava à nora, desorientada, pasmada, sem conseguir sequer falar com o marido, esfregar-lhe tudo na cara.
Tinham uma relação sólida, eram apaixonados, amavam-se, ele amava-a, ela sabia isso, tinha provas disso. E por isso apenas não sabia o que fazer. Como era possível ter sido infiel?
E no meio daquela cena dolorosa que não se deseja a ninguém, eu só pensava “como é possível acreditares que não podia acontecer?” Como é possível alguém casar e acreditar que aquele homem ou mulher ao seu lado é “seu”?
Chamem-me fria, desapaixonada e cínica mas não acredito na fidelidade. Aprendi desde muito cedo que “até que a morte nos separe” foi inventado por alguém claramente não na posse das suas faculdades mentais.
“Mas ele ama-me!” E alguém diz o contrário? Claro que sim, mas aparentemente precisou de uma experiência nova, de mais alguém, cansou-se de comer pudim e apeteceu-lhe mousse de chocolate. “Mas o que é que eu faço agora?” Espera. Pode ser que seja passageiro, um aventura apenas, um fugir à rotina, voltar a sentir-se vivo e desejado e não tomado como certo. Se continuar, fala. Falem. E decide se o amas a ponto de aceitares que és amada mas não és a única. Não será fácil, será necessário reavaliar as necessidades e limites de cada um, voltar com a relação à estaca zero, aprender as novas regras do jogo e jogar para ganharem os dois.
Mas se, passado um tempo, os olhos continuarem baços e sentires a alma a perder brilho a cada dia que passa, está na hora de ir embora enquanto não há crianças e antes que a amargura chegue.
Tudo isto não lhe disse. Não tenho intimidade suficiente para lho dizer e mesmo que tivesse não sei se teria coragem.
É uma daquelas coisas que, se um dia precisar, gostaria que alguém me dissesse. Pelo sim pelo não, o melhor é guardar uma cópia disto à mão, não vá o diabo tecê-las.

7 comentários:

Anónimo disse...

Falar é sempre mais fácil. Tomar uma decisão é muito difícil, acredita. E quando há filhos pelo meio...

Anónimo disse...

A fidelidade é para os cães. Eu prefiro a lealdade. Aprendi com a Frida Kahlo...

beijinhos e bom fim-de-semana

Uxka disse...

É sim, Tyler, falar é fácil, mas no que toca a decisões, se houver filhos pelo meio convém que sejam tomadas rápido e curto. E eu sei do que falo, fui (e sou) filha.

Maria, estou contigo. E isso implica as cartas todas na mesa, ao mesmo tempo, sem paninhos quentes. Para se saber com o que contar.

Beijinhos e bom fim de semana para os dois.

Anónimo disse...

Não sei se é possivel ultrapassar uma coisa destas!

Uxka disse...

Ultrapassa-se. Leva mais ou mennos tempo, mas faz parte do modo humano de sobrevivência. Sequelas já é outra coisa, mas ultrapassar, claro que sim.
Obrigada pela visita, Cas.

S. disse...

Não disseste, mas devias ter dito. A realidade é assim mesmo. Além de que toda a gente sabe que eles nunca abandonam a legítima.

Uxka disse...

Ao contrário da tua fabulosa frase de cabeçalho, eu adoptei um porradão de filtros e mesmo coadores que me levam a ser menos expontânea do que devia e faria bem. Estou a melhorar, devagarzinhooo :))